Novo mundo, novos termos
As ideias de descobrimento, invenção, encontro e
conquista causam controvérsia entre os historiadores
Maria Teresa
Toribio Brittes Lemos
1/9/2012
1492 mudou o
mundo. Diferentes interpretações e conceitos tentam explicar as origens e os
motivos dessa mudança. Mas cada um deles corresponde a diferentes posições
ideológicas e pontos de vista dos estudiosos que se debruçam sobre a questão. O
que parecia claro a todos é que tamanha transformação não podia ser atribuída
apenas ao avanço da técnica ou ser mero reflexo da expansão comercial e
marítima e da conquista de mercados, próprias da revolução comercial que se
instalou na Europa no final da Idade Média.
Os conceitos
de “descobrimento”e “achamento” têm o mesmo significado e se referem a algo
previamente conhecido. Assim, o descobrimento do Novo Mundo, em 1492, não
consistiu num fato absolutamente novo, pois já se sabia que havia terras ao
ocidente da Europa e que em qualquer momento poderiam ser encontradas. Esse
conceito difere de “descoberta”, que significa descobrir algo desconhecido
anteriormente, que não se conhecia ou se imaginava conhecer.
De fato,
informações sobre ilhas ou regiões situadas no oceano ocidental eram de
conhecimento dos homens da Idade Média, por meio de mitos e relatos dos povos
antigos, como o de Estrabão (64 a.C.), de Plínio, o Velho (23 d.C.) e de Platão
(428 a.C); além da mítica Atlântida, retomada pelo Pseudo-Aristóteles (Livro
das Maravilhas) e por Diodoro da Sícilia (século I). Arqueólogos e outros
pesquisadores procuram evidências da presença na América de cartagineses,
fenícios e gregos, entre outros povos. Expedições marítimas relatavam a
existência de terras a oeste da Europa, mas foi a expedição de 1492 que
confirmou a existência de um Novo Mundo.
Considerar
o encontro como um fenômeno de conquista e dominação, para alguns
historiadores, é subestimar a cultura do “outro”. No entanto, considerar um
encontro de civilizações também suscita dúvidas, já que o “outro” foi pego de
surpresa, vítima da complexidade tecnológica trazida pelos europeus e dos
deuses que o abandonaram diante do estrangeiro branco e barbudo, vítima também
das discórdias e fragmentações internas, dos ódios e disputas de seus pares.
Por outro
lado, considerar o acaso e aceitar que as terras foram achadas é uma forma de
pensar mecanicista e simplista. Isso porque houve muito empenho em encontrar
riquezas, mapas foram traçados, astrolábios, bússolas e toda a cartografia
foram utilizados para descobrir riquezas e engrandecer os países europeus, a
Espanha e Portugal.
O conceito de
“encontro” é encobridor porque se estabelece ocultando a dominação do mundo
europeu sobre o mundo do índio americano. Também não pode ser um encontro de
duas culturas, em que o mundo do outro é subjugado e excluído, onde predomina o
etnocentrismo, a superioridade da cristandade sobre as religiões indígenas e
total desprezo pelos ritos, deuses, mitos e crenças dos nativos.
No México,
desde 1984, historiadores debatem o conceito de encontro e apresentaram o
conceito de “encobrimento”, por um lado, e a necessidade de desagravo ao índio,
por outro. Durante a comemoração do V Centenário do Encontro de Dois Mundos, em
1992, o historiador Miguel Leon Portilla lançou o conceito
“Encontrodeduasculturas”, e Felipe Gonzalez, durante as festividades dos 500
anos da América, falou em festejar o descobrimento como um encontro. Era mais
uma posição política, em função da integração europeia e da abertura da Espanha
à América Latina.
Já o conceito
“invenção” foi proposto por Edmundo O’Gorman, que considerou que Cristóvão
Colombo tinha certeza de ter chegado à Ásia e constatado naquelas terras algo
conhecido anteriormente, mas ainda não explorado. Por isso, chamou os
habitantes de “seres asiáticos”. Colombo morreu desconhecendo que havia
encontrado um novo continente. Para o autor, “invenção” indicava que a América
não foi descoberta ou achada, mas inventada à imagem e semelhança da Europa.
Também o reconhecimento dos habitantes como ser asiático é uma invenção que só
existiu na imaginação dos grandes navegantes e contribuiu para o
desaparecimento do outro. O “índio” americano apenas deu vida a este serinventado.
O conceito de
conquista é adotado como prática de dominação. Trata-se de uma
concepção jurídico-militar. O conquistador é o primeiro homem moderno ativo,
prático, que impõe sua individualidade violenta a outras pessoas, ao outro.
Assim, as
ideias dedescobrimento, achamento, invenção e conquista dominam a
historiografia sobre as formas como o Velho e o Novo Mundo se complementaram no
sistema planeta-mundo.
Maria Teresa
Toribio Brittes Lemosé uma das
organizadoras de América Latina em construção: sociedade e cultura –
século XXI (Nucleas/Uerj, 2011).
Saiba Mais-
Bibliografia
COLOMBO,
Cristóvão. Diários da Descoberta da América. Porto Alegre: L&PM,
1984.
DUSSEL,
Enrique. 1492 –O Encobrimento doOutro.
Petrópolis: Vozes, 1993.
Gruzinski,
Serge. 1480-152 – A passagem do Século. São
Paulo: Cia. das Letras, 1999.
MAHN-LOT,
Marianne. A Descoberta da América. São Paulo: Perspectiva,
1970.
SOUZA, Thiago
Bastos e SEDA, Paulo. “O Encontro de Culturas: O conhecer de uma nova realidade
ou autoconhecimento”. Revista Latinidade, vol.1, nº 2. Rio de
Janeiro: Nucleas/Uerj, 2009.
VINCENT,
Bernard. 1492 – Descoberta ou Invasão Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.
Filme
“1492: A
conquista do paraíso”, de Ridley Scott
(1992).
Extraído de Revista de História da Biblioteca Nacional
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluir