quarta-feira, 6 de março de 2019

As fronteiras da Região Amazônica

Em busca do El Dorado

Como os mitos e as lendas que povoavam o imaginário europeu ajudaram a definir as fronteiras da Região Amazônica




Gravura do século XVI mostra o imaginário europeu da época
É instigante pensar que a formação das fronteiras modernas não dependeu somente dos debates científicos da Europa, entre os séculos XVI e XVIII, pelos quais a fronteira era algo que separava dois povos ou civilizações distintas. Muitas vezes as expedições sobre o mundo dos “não civilizados” eram justificadas por questões mitológicas.
A lenda do El Dorado, das guerreiras Amazonas e dos euaipanomas são exemplos da mitologia greco-romana transmutados para as novas colônias espanholas e portuguesas na América do Sul e Central.

Na lenda do El Dorado, temos um rei nativo que se cobre de ouro em pó em uma cerimônia que marcava a coroação do novo líder. Depois, mergulhava em um lago, onde seus súditos jogavam ouro e pedras preciosas. Com o tempo, o El Dorado passou a significar um local de imensos tesouros, perdido no meio da América do Sul. As amazonas eram guerreiras que viviam em uma sociedade só de mulheres, encontrando os homens apenas para a reprodução. Já os euaipanomas, fantásticos guerreiros sem cabeça que habitariam a região.

O imaginário desses formadores de fronteiras produziu representações sobre os homens, os rios e a floresta fundamentadas, principalmente, em explicações míticas e fantasiosas. Assim, exploradores embalados pela ambição de enriquecimento foram ocupando e demarcando o território amazônico. Os recursos ao maravilhoso e ao lendário, ingredientes do imaginário europeu do século XVI, foram os principais elementos de que os europeus lançaram mão para definir o diferente.
As amazonas, por exemplo, apareciam nos relatos como mulheres altas, fortes e de pele clara que viviam no interior do País cobrando tributos de outras tribos. Nas narrativas do dominicano Gaspar de Carvajal, que acompanhou Francisco Orellana em viagem à região no século XVI, conta-se que ouviram falar muito das amazonas, que davam nome ao rio onde os espanhóis enfrentaram um grupo de 10 a 12 mulheres guerreiras. Pedro Teixeira, viajante português que explorou o Rio Amazonas no mesmo período que Orellana, também registrou o relato dos índios do Rio Negro sobre mulheres “muito grandes de corpo” e com apenas um seio.
As representações sobre a Amazônia revelam a curiosidade dos europeus que, embalados pelo ciclo exótico do Oriente, da África e da América (do século XVI ao XVIII), produziram livros de viagem, escritos de missionários e depoimentos de autoridades em missões oficiais ou não.
Essa produção, por meio de uma literatura impressionista, informou sobre a fisionomia humana e o ambiente da floresta, com suas riquezas botânicas e zoológicas, atraindo naturalistas, homens das ciências, religiosos e aventureiros de todas as espécies, em busca não somente do conhecimento do diferente, mas da riqueza prometida pelos relatos dos viajantes. Também mostram a visão dos viajantes da Hileia, da Floresta Amazônica, ao mesmo tempo fascinante, pela pujança de água, e sombria, dada a diferente compleição da fauna e flora que encontraram.
Essas questões nos levam a pensar sobre as diferentes construções representativas da Amazônia e de seu povo, produzidas por pessoas que explicavam os comportamentos dos homens e das mulheres da região a partir de seus valores e prejulgamentos.
Ao longo do século XVIII, porém, o apelo ao mítico aos poucos deu lugar às observações e aos estudos empíricos sobre os locais visitados durante as viagens pela Floresta Amazônica. Embora as explicações imagéticas não tenham sido deixadas totalmente de lado, houve uma relativização desses relatos, ora inferiorizando, ora enaltecendo a fauna, a flora e o homem da região.
Um exemplo foram os escritos do padre João Daniel, que viveu na região entre 1741 e 1757 e produziu, a partir de relatos de viajantes, vasta obra com três temas centrais: a Terra, o Homem e a Cultura da Amazônia. Procurou estabelecer a localização do El Dorado, que estaria entre os rios Negro e Trombetas, ou próximo ao Rio Japurá.
Diante de tantas narrativas sobre a existência do El Dorado, o padre chegou a afirmar, atordoado, que talvez “Deus não (permitiu) o descobrimento do tal lago, para evitar os inconvenientes que ordinariamente se originam das riquezas do ouro e das minas”. Em síntese, afirmou que o alargamento das fronteiras deu-se pela “cobiça do ouro, e o amor às riquezas (que) foram no mundo o maior incitamento dos homens, para as maiores empresas e mais árduas navegações”.
Um exemplo foi a descoberta do Rio Amazonas pelos espanhóis. Mesmo senhores das minas de ouro e prata no Peru,  navegaram por toda a extensão do rio em busca de mais tesouros. Jamais encontrado, o El Dorado permaneceu na imaginação dos europeus como um lugar “cujo ouro era mais que as areias das suas praias, ou que as suas margens e fundo eram tudo ouro”.
Saiba Mais
Livros
Masters of All They Surveyed: Exploration, Geography; 
and a British El Dourado. D. Graham Burnett. Chicago: The University of Chicago Press, 2000.
O Descobrimento da Terra. Oswald Dreyer-Eimbocke. Tradução Alfred Josef Keller. São Paulo: Melhoramentos/Editora da Universidade de São Paulo, 1992.
Dicionário 
de Lugares Imaginários. Alberto Manguel e Gianni Guadalupi. Tradução Pedro Maia Soares, São Paulo: Companhia das Letras, 2003.
Tesouro Descoberto 
no Máximo 
Rio Amazonas. Padre João Daniel. Rio 
de Janeiro: Contraponto, 2004.
Extraído de: www.cartaeducacao.com.br/

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Postagem em destaque

Curta metragem produzido pelos alunos do primeiro ano da escola CE Prof. Robson Campos Martins como atividade final para a culminância da el...

Postagem mais visitada